sexta-feira, 24 de julho de 2009

Capotagens





Que tarde bizarra.

chuva intensa e vontade zero de ir até o centro da cidade buscar os celulares, ambos sendo reparados por uma loura opulenta que, em 2008, largou a formação em recursos humanos e descobriu um insuspeito talento para modificar celulare,s ao mesmo tempo em que rebola ouvindo funk aos berros no camelódromo da Uruguaiana, Centro do Rio.

Quando tomei coragem de sair da zona litorâneo-rural na qual resido (e finjo ser a Nova Zelândia) a chuva apertou. Decidi que iria assim mesmo. Pegaria o ônibus amarelo com ar condicionado gelado e janelas panorâmicas, que me permitiriam fotografar o infortúnio dos transeuntes, semi-afogados nas águas de julho.

Devorei uma barra de chocolate e esperei o glorioso ônibus amarelo, no seu ponto final.
Faço isso para não perder a chance de sentar no único banco me oferece a combinação de acomodar meu corpinho generoso e uma fantástica janela, quase imune a reflexos (as últimas fotos de praia que publiquei foram feitas através dessa janela).

Dez minutos dentro do ônibus e o motorista grita: “Caralho!”.

Tive tempo de ver uma sombra cinza voando, em um el rollo digno de Mike Stewart em “How To Bodyboarding” (lembram, velharada?) sobre os demais carros, sobre duas pistas da Avenida das Américas, em sucessivas cambalhotas, em uma espetacular capotagem.

Morte, com certeza. OK. desci do ônibus, sob a chuva. Câmera em punho.

Era um ator da Globo. Jovem estrela do cinema brasileiro. Um ator que eu admiro. Sou fã.

Sério. Sou fã de alguém que não sou eu.


Poxa, o cara estava em apuros. Apesar da gravidade do acidente, no qual seu carro (na verdade, era um Clio Sedã, não um carro), ficou totalmente destruído, saiu andando, ileso, como um piloto de F1 sob os gritos de Galvão Bueno.

Saquei minhas câmeras e comecei a clicar. Não chegaria a tempo de resgatar meus preciosos celulares. Precisava tornar o recém-criado engarrafamento em algo rentável, pois.

Algumas fotos de carro amassado depois, percebi que estava fotografando em RAW. Uhmmm, menos agilidade para editar e vender as fotos para os jornais cariocas.

E já eram 16:30. Os fechamentos são as 19:00. Correria. Tinha umas 200 pratas em fotos ali, quase o valor do reparo os celulares.

Começaram as dúvidas. O ator em questão era preto e talentoso demais para sair na Caras, na Contigo, na Ti-ti-ti, na Capricho ou outra publicação fútil qualquer.

Restavam os jornais diários e o RJ TV. Então, com a outra câmera, comecei a fazer uns videos, na medida certa para uma edição estúpida de telejornal. Poxa, já seriam 400 reais numa tarde de sexta. Nada mal para uma quase morte.

Logo percebi que o formato escolhido era 640x480. Droga! Eu tenho um compromisso formal em jamais gravar nada que não seja nativamente widescreen. Pausa para trocar os ajustes. Pronto. 854x480. HD de pobre.

Melhor agora. Vamos procurar ferimentos e o rosto assustado do ator que tanto admiro, nesse momento já sendo atendido na viatura do SAMU. Os PMs e paramédicos atrapalhando minha sightview.

Por trás de mim, xingamentos hipócritas sobre minha atividade: “paparazzo”, “urubu” (não sei se pela pele, por ser flamenguistas ou por espreitar a desgraça alheia com minhas lentes).

No final de semana anterior, tinha lido com gosto uma matéria sobre o talento do rapaz acidentado e sua recente devoção ao filho pequeno. A lembrança me fez procurar a cadeirinha no bacno traseiro. Dramático (criança, bicho, mulher nua.=jornalismo diário)

Tomei notas mentais sobre o local, hora e possíveis causas do acidente. Uma fatalidade.

Terminei a sessão de fotos e preparei-me para tentar vender aos coleguinhas das editorias de fotografia o material oportuno.

Ooops, com transmitir 700 MB de imagens? Sem o celular com 3G, sem o Blackberry e sem acesso público de alta velocidade.

Consegui mais algumas imagens tristes do ator, travei um breve diálogo com ele sobre seu estado de saúde e emocional e tomei outro ônibus, da mesma linha das janelas enormes e condicionador de ar gélido.

Lembrei do meu acidente, em 2004, no Paraná, em meu primeiro mês como editor-chefe de Quatro Rodas NITRO, também minha estréia em revistas, na Editora Abril, quando quase morri. Ao me perceber vivo e na ânsia de demonstrar responsabilidade, liguei para a redação. Atendeu o PCG. Claro e direto, perguntou como eu estava e pediu que eu não esquecesse de fotografar o carro destruído.

Teria sido melhor não fotografar. Passei meses sendo acusado pelos meusleitores de conduta irreponsável ao volante.

Decidi que não seria sacana com a história do acidente do ator.

A estratégia era editar as fotos no ônibus, conseguir uma conexão aberta enre um ponto de ônibus e outro e transmitir o conteúdo para cobrar depois.
Metadados ok, rating de imagens ok e conversão para JPEG ok.

Mas nada de conexão. Nem pensar em usar os créditos do SkypeOut. Shit!

Decidi esperar chegar em Copacabana, quando poderia transmitir as imagens de dentro do ônibus, utilizando para isso a rede pública de alta velocidade da praia, fantástica.

Editei as imagens, e comecei a preparar o texto de referência. “Jovem ator da Globo...”.

Ooops 2. Não tinha certeza do nome do cara. Não vejo muita TV. E, na verade, aquele jovem ator negro poderia ser outro cara. Da TV Record, talvez.

Sim, eu não sabia o nome de meu ídolo. Trouble.

A chuva apertou e o engarrafamento transformou-se em um happening inerte. Não chegaria mesmo no Centro a tempo de pegar os celulares, visitar as redações de O DIA e O GLOBO, e ainda mandar material para o RJ TV. Merda.

Desci no Leblon, na esperança de encontrar um bar com wifi, tomada 220 e chope preto gelado. Peregrinei na Ataulfo e sentei na boa e velha Pizzaria Guanabara. Tinha tomada, tinha chope preto, tinha Jack Daniels com pizza calabreza de botequim carioca, mas nada de wifi funcionando.

Em minha frente, um casal trocava saliva copiosamente, para desgosto da acompanhante deles, entediada por sua vida sexual sabotada por um corpo sem atrativos.

Ao meu lado, simpáticos cinquentões teciam os tradicionais comentários sobre a caretice da juventude atual. Só faltava aparecer o Domingos de Oliveira e aquela gostosa com quem ele contraiu matrimônio.

Relaxei.

Decidi que não venderia porra nenhuma. Já eram 19:30 quando parti atrás de um café. Achei uma loja do Vanilla Café, que em São Paulo SEMPRE está com o wifi ligado.

No Rio...Rá. Fala sério.

Escrevi estas linhas tortuosas e ainda não sei o nome do ator. Os coleguinhas das redações devem estar descendo no elevador, com máscaras no rosto contra a gripe suína, prontos para tomar chope e cheirar umas carreiras de cocaína.

Eu, espero o trânsito voltar ao normal e ir para casa.

São 20:20. Quando chegar em casa, quem vai capotar sou eu.

Boa noite.

PS - o ator é o genial e discreto Alexandre Rodrigues. Fica bem aí, cara.

PS1- o Rio Design Leblon tem um ótimo acesso rápido, jazz e poltronas de couro. Publiquei daqui. O chato é acharem que sou gringo. Saco.

PS2 - puta video game divertido.