quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Crianças, Sexo e Dinheiro: a vida (e a morte) pós-trafico em comunidades pacificadas


Tem filha? Então digite “bonde das novinhas”, “novinhas do funk” ou “novinhas metendo” no Google ou no You Tube. Vá, pense fora da caixa e faça isso. Agora imagine uma das meninas que você viu, com cerca de 13 idade anos do Complexo do Alemão (isso vale para outras comunidades e até mesmo bairros classe média da Zona Sul carioca) cobra cerca de R$100,00  por programa (camisinha, esqueça - é moeda de troca fazer sem preservativos, chegando a dobrar o cachê), sendo que R$ 40,00 ficam para ela e R$ 60,00 para o cafetão ou cafetina (em muitos casos, membro da família). 


Esqueçam os dias livres. Quando muito, um dia de folga para ir ao Shopping. Obviamente, os dias de menstruação são resolvidos fazendo sexo com diafragma ou praticando apenas sexo oral ou anal. Elas não querem descansar. 

Agora convença essa menina que vive cercada de miséria que ela poderia largar essa vida e ganhar em um mês metade do que ganha por semana lavando banheiros no McDonalds do shopping mais próximo ou trabalhando como empregada doméstica. Ela vai rir de você, leitora. Shopping para ela é um lugar para passear com as amigas, azarar, conseguir alguns clientes (praças de alimentação, em qualquer shopping, são palco de um tipo muito interessante de trottoir)  e torrar os R$1500,00 que ela ganha por semana, trepando cinco vezes com estranhos (ou parentes, ou conhecidos, ou vizinhos, ou amigos da escola).

Muito bom que o Estado tenha resolvido arcar com o custo social de melhorar as condições de vida em área dominadas pelo tráfico. Mas existe uma seara onde ele não consegue entrar: na vida privada.

Famílias que cresceram sem planejamento e sem esteio moral jamais conseguirão dar suporte emocional e educacional para crianças em formação em um ambiente onde o estimulo do “sucesso” fácil é diário. Menos pela mídia - jovens carentes passam menos tempo diante da TV do que os sociólogos antiquados acreditam -, mais pelos códigos da própria comunidade. A indústria do funk criou uma base sólida para a exploração sexual precoce. 

Crianças pequenas dançam e cantam letras de conteúdo sexual perverso, se não na forma (mulheres que assumem o papel de brinquedos sexuais dos homens da comunidade, sem culpa) na falta de diálogo para contextualizar o que repetem como um mantra, aos 8, 9 anos de idade. Basta escutar a programação vespertina de rádios como a FM O DIA, para terem a dimensão do que estou dizendo.

Em áreas onde gravidez adolescente apresenta características de epidemia, fica difícil encontrar em uma mãe ou uma avó algum suporte que fuja ao estereótipo. Se antes elas eram “educadas” cada vez mais cedo para serem as escolhidas como mulheres dos traficantes dominantes, agora, com a guerra o tráfico, elas vão migrar em massa para a prostituição, seja nas ruas locais, seja virtual (mais difícil de combater) oferecendo seus serviços via MSN e Orkut. 

Enquanto fora do Brasil os pais estão preocupados com o “sexting”, aqui no Brasil as meninas aproveitam os recursos de comunicação e criação de imagens dos celulares para vender seus corpos  e produzirem imagens de sua nudez, a qual é precocemente valorizada nas relações pessoais e de comércio sexual. Não, crianças não podem ter privacidade digital, como já comentei em outro texto.

Visite um cinema multiplex da zona oeste carioca ou a praia da Reserva, no Recreio dos Bandeirantes, para entender a dimensão do problema. Uma garota com um celular na mão e acesso remoto (longe de casa e dos olhos protetores da família - quando existem) a redes sociais é uma empresa do sexo, capaz de comunicação eficiente e discreta com sua clientela.

Elas não são criminosas. São vítimas. E o pior: vítimas em uma faixa etária na qual acham que estão repletas de razão. Um garota que ganhe R$ 75 mil ou R$ 80 mil reais por ano, livre de impostos, não é vista como algo indesejável em uma família onde a renda combinada dos pais não chega R$ 2 mil mensais. E para justificar a “renda extra” daquele núcleo familiar, basta que a menina faça algumas apresentações como dançarina em um baile funk. Vira “artista” e lava o dinheiro da prostituição. Está fechado o círculo vicioso.

Já a turma da cafetinagem leva entre R$ 375 mil e R$ 500 mil por ano, sem ter que trocar tiros com a polícia ou criar logística de quadrilha para armazenar e proteger drogas, vender gás clandestinamente ou criar centrais de TV a cabo pirata. É o dinheiro sujo mais fácil que alguém pode ganhar. Cada vez mais os traficantes e milicianos estão migrando para a exploração da prostituição infantil e adolescente como fonte de renda sem dor de cabeça.

E essa dor, essas vidas perdidas precocemente, os tiros, carros blindados e rasantes de helicóptero não serão capazes de “libertar”.

Aqui, a solução para o problema está para frente, nos próximos 10 anos.  Assim que a hipocrisia do Estado cessar e o foco passar a ser planejamento familiar e esforço sócio educacional como moeda de troca em políticas de distribuição de renda. Chega de gerar massa de manobra, corpos dóceis e eternamente agradecidos à bolsa-miséria. É hora de bolar uma geração oriunda da pobreza capaz de tomar as rédeas desse pais.

3 comentários:

  1. Concordo que a solução passa pela educação, mas o que fazer quando a maioria das crianças edos adolescente que tem educação nula ou insuficiente são meninas? Justamente o alvo da exploração sexual.

    ResponderExcluir
  2. Acredito que ao fazermos valer o estatuto da Criança e do Adolescente, sendo severos com os meios de comunicação (não é censura, mas sim maior rigidez na classificação de conteúdo) e promovendo educação paternal conseguiremos resultados concretos na forma como essas meninas percebem sua participação no mundo, no tecido social. Em 10 ou 15 anos.

    Chega a ser assustador como pais e mães encaram a exibição pública da sexualização precoce algo normal, aceitável. Em alguns rincões do país, uma menina de 15 anos que não é mãe é tida como anormal.

    Precisamos mudar isso.

    ResponderExcluir

Diga o que quiser. Sempre. Se possível, pense antes de escrever.