sábado, 23 de setembro de 2017

"Poder para o povo preto. E sem mimimi", por Felipe Barcellos

"Poder para o povo preto. E sem mimimi", por Felipe Barcellos/ Felipe Barcellos
Bem, você decidiu que quer ajudar os pretos a serem felizes nesse país malvado. Vamos ao tutorial:
- Ao invés de postar sobre #negrodrama e as mesmas merdas de sempre, aproveite o mesmo espaço para alavancar histórias positivas, de vitória, de sucesso de PRETOS de TODAS AS CLASSES SOCIAIS!
- EVITE histórias de pretos com talentos extraordinários, nas artes ou nos esportes. São moscas brancas (no pun intended). Privilegie conteúdos que alavanquem e estimulem a molecada a seguir exemplos atingíveis com educação, perseverança e vontade.
- Para cada história de preto se fodendo, por favor, tenha o cuidado estratégico de postar cinco histórias de pretos em situações positivas. A dinâmica das mídias sociais fará as histórias positivas chegarem a cada vez mais pessoas.
- Histórias positivas tem um enorme poder de modificar percepções. Uma criança (branca ou preta) que cresce só vendo preto se foder, dificilmente crescerá sem ter a visão do preto como seres humanos eternamente em necessidade de ajuda. Por isso é uma merda ter crianças impactadas com aqueles anúncios dos Médicos Sem Fronteiras e afins: a repetição forma o padrão. E um padrão perigoso, que torna o preto vitorioso e bem sucedido em suas escolhas sempre a exceção e nunca o padrão.
- Não, não e não para mimimis como "turbantes só para pretas", "denegrir" e "nega do cabelo duro": isso é um puta desvio do cerne da questão e só serve para que discussões realmente importantes sejam suplantadas pela jocosidade que toma as mídias sociais.
- TODA vez que pensarem em usar a frase "quem disse que não existe racismo no Brasil...", pensem duas vezes e postem uma lista com três livros de autores pretos -mulheres e homens-, que tenham efetivamente  lido ou que tenham sido publicados recentemente.
- Poste feitos de um preto brilhante e genial por dia, mulheres e homens. Deixe os algoritmos fazerem o resto.
- Quando forem reclamar que "não tem preto no cinema" lembrem-se do cinema nigeriano e seus lançamentos semanais, disponíveis online.
- A coisa mais importante na vida dos pretos NÂO é reclamar do infortúnio de ter uma cor de pele açoitada pela ignorância (em casa e na rua). Nós amamos, comemos, dançamos (e as vezes "músicas de brancos", veja só...), brigamos, traímos, fazemos descobertas científicas revolucionárias, fazemos merda pra caralho, erramos, acertamos, nos emocionamos, gostamos de carros zero quilômetro, relógios caros, bons vinhos, temos preguiça de emboçar a casa e preferimos uma TV grande a uma estante de livros, às vezes. Em resumo, somos pessoas normais.
- Se quer realente ajudar os pretos a obterem reconhecimento, espaço, relevância social, ocupação profissional e capacidade reforçada de luta contra a intolerância, em hipótese alguma repita frases e conceitos burros como "apropriação cultural". O esvaziamento de qualquer discussão produtiva quando essa frase surge é um desserviço.
- Pretos pobres e pretos ricos podem e devem ter a orientação política e sexual que bem entenderem numa democracia do século XXI. Se você acha que frases como "só no Brasil existe preto de direita" (SIC) ou "só no Brasil existe pobre de direita" ou "não pode ter preto viado" são corretas, você é no mínimo burro. E mal informado, (ou intencionado...), principalmente quanto as questões sociopolíticas do continente que mais tem pretos no mundo, a África. Partido ou ideologia alguma pode ter o monopólio dos pretos e suas causas. Não seja imbecil em seu papel de "feitor da esquerda".
- JAMAIS, em hipótese alguma, fale de quilombos como "espaços de resistência" e automaticamente ligue a favelização urbana àquela forma de organização social escravocrata. Estude.
- Ao contrário da crença popular, existem milhares de livros sobre a história do preto, antes e depois da colonização do Novo Mundo. No Brasil, perpetuou-se o mito da "tradição oral", afastando a curiosidade da criança e do jovem preto de buscar leituras que possam esclarecer e ilustrar suas origens.
- Lembre-se que existem no mundo trocas culturais e sócio econômicas entre povos pretos e civilizações milenares na Ásia (e no que hoje chamamos de Europa) MILHARES DE ANOS antes de existir tráfico negreiro transatlântico e o futuro "Brasil". O resgate e disseminação desse contexto histórico é vital para que novas gerações de pele preta tenham a dimensão de pertencimento global, e não apenas a herança escravocrata nas plantations e minas do Novo Mundo como referência existencial.
Por enquanto é só. Poder para o povo preto. E sem mimimi.


Por enquanto é só.