domingo, 30 de dezembro de 2012

Não usem o prazer feminino como justificativa para o seu ódio

Condutas sexuais de natureza particular ("Ela pede tapa na cara", "Ela é submissa", "Ela trepa com dois ou mais") NÃO justificam um estupro. Nossas filhas podem e devem gozar como quiserem sem terem que morrer por isso.

Abra as pernas, feche a boca e tente não morrer: como ser uma jovem mulher em São Paulo. Por Felipe B

Você possui o escritório de advocacia mais influente do país. Seus jovens sócios, mulheres e homens com menos de 40 anos que se acham os donos de São Paulo e ostentam salários mensais acima de 100 mil reais, decidem brincar com a vida e autoestima de uma menina de 21 anos começando a carreira como estagiária na empresa.

O combinado é sacanear a menina, certos da impunidade. Domínio dos meandros legais que fazem os algozes terem a certeza da impunidade. O ônus da prova ficará todo com a vítima.

Você é informado sobre o crime (apesar de seus jovens sócios e demais advogados influentes não olharem essa questão através do mesmo prisma moral dos pobres mortais) e aciona o departamento de gerenciamento de crise para preparar uma ação de acobertamento, caso alguma denúncia seja feita. O primeiro passo é escrutinar a vida sexual da vítima e catalogar qualquer "desvio de conduta". Prepare um rol de testemunhas pagas a peso de ouro. Também prepare a compra do silêncio da vítima, ameaçando-a de ter a carreira encerrada em qualquer instituição de peso caso leve adiante a vontade de fazer justiça.

Enquanto isso os jovens sócios se regozijam do crime perfeito, da arte de terem sacaneado a novata. Provavelmente algumas das sócias, ex-estagiárias também estão rindo. Não é uma questão de gênero. É uma questão de poder.

Ao mesmo tempo que comemoram a impunidade, os jovens sócios ainda estão eufóricos por serem os responsáveis pelo escritório ter recebido o prêmio de Ëscritório do Ano no Brasil, pela consagrada publicação International Financial Law Review. Além de serem jovens e donos do mundo, agora o bônus será polpudo.

Mas a vítima não suporta a pressão. Decide pelo suicídio, em um dos bairros mais nobres da capital.

Merda no ventilador. Departamento de gestão de crise pesa a mão. Quem der prosseguimento na apuração pode perder alguns de seus maiores anunciantes. MSM fica calada. Alguns delegados também.

A vítima morreu três vezes: no ato da agressão, na impossibilidade de obter justiça e na destruição de sua imagem pública.

O escritório fará de tudo para manter a blindagem em seus jovens sócios criminosos e assassinos. Afinal, eles são a fonte de prosperidade do negócio, com sua agressividade e falta de ética. Estão ali para vencer. Para atropelarem os fracos que não aguentam os ritos de passagem para o mundo do poder sem limites, no qual uma jovem mulher não passa de mero brinquedo descartável.

Afinal, a temporada de contratação de novos estagiários já está aberta. E elas vão continuar correndo atrás do sonho.

Não é um livro de Scott Turow. Não teremos um herói para desvendar esse crime e fazer justiça. Vai tudo ser varrido para debaixo do tapete.

Não existe nada para ser visto aqui! Vão lamentar a morte da universitária na India. Vão, vão, seus pobres!

É São Paulo, 30 de dezembro de 2012.

Que merda.

Feliz 2013.

2012: o ano do feminicídio ainda não terminou

Para ilustrar meu texto da semana passada sobre nossa hipocrisia ao olhar com revolta o estupro http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1208114-estagiaria-de-direito-morre-apos-suposto-estupro-em-sp.shtmlna India.

Somos piores, mas calamos nossas mazelas.

No blog Pai de Menina passei o ano falando sobre o feminicidio sistemático praticado em todas as classes sociais no Brasil.

Queria muito não ter que falar sobre esse tema em 2013.

Mas será impossível.

No caso da vítima de estupro no Brasil, a violência é multiplicada. É muito cruel uma mulher precisar provar que não provocou a agressão, muitas vezes, sendo tratada com desconfiança por outras mulheres.

Pode estar bebada e nua. Pode estar consciente e ter começado uma situação erótica. Não é não. Toda mulher tem o direito de parar o sexo na hora que quiser. Toda mulher tem o direito de não ter seu corpo violado.