domingo, 10 de agosto de 2008

Maconha, minha filha, maconha!

lanta polêmica, a maconha. Para defender seu uso livre, cerca de 250 gatos pingados compareceram, na tarde de domingo último, a praia do Arpoador, no Rio de Janeiro, para fumar um...digo, protestar pela liberação da erva (como se não tivéssemos nada mais importante para pleitear...).

Os combalidos e sem voz moradores das favelas do complexo do Alemão, Mineira, Chacrinha e Vila Cruzeiro, assim como as recentes vítimas inocentes de tiroteios entre traficantes e polícia, não foram ao fumacê. Ficaram vendo as imagens de seus mortos ilustrando uma revista eletrônica dominical.

Não bastasse a influência histórica, econômica e cultural em todas as sociedades civilizadas, a cannabis ainda merece ser discutida como um dos maiores bodes expiatórios daqueles que detém alguma forma de poder: juristas, médicos, políticos e donos de meios de comunicação.

Estes últimos juram de pés juntos que, com a venda da maconha liberada, viveremos em paz para sempre e as favelas, longe do tráfico, serão os lugares mais felizes do mundo, ainda que sem saneamento básico, nível de instrução e qualificação profissional abissal, e, ainda por cima, sem controle de natalidade.

Ou seja, o fluxo de empregadas domésticas de baixo custo, putinhas de rua em Copa ou em termas e mão de obra barata e descartável para os filmes e séries de TV do Fernando Meirelles estará assegurado.

Os políticos não gostam: como irão barganhar votos em uma favela feliz? A polícia odeia; "cadê o inimigo? Que moradores e comerciantes nossas milícias vão extorquir"?

Ingênuos, esqueçam. O tráfico de armas vai continuar, a violência -comandada do asfalto e personificada pelos atores do morro- também, a polícia dos ricos e remediados também, a hipocrisia também. Assim, vamos tirar o sofá da sala para evitar a traição dos infiéis...

E o problema não para na cidade, no suposto conforto e segurança do consumidor final.

Como nenhuma maconha distribuída em larga escala hoje no Brasil é orgânica, completamente livre de agrotóxicos e produzida um lavouras onde impera a justiça social, com relações trabalhistas decentes e manejo na terra com foco na preservação ambiental, acho pertinente soprar a fumaça para o alto e deixar uma larica de informação entrar nessa discussão.

Bahia, Pernambuco e algumas lavouras ao norte da América do Sul produzem coisas interessantes no campo da cannabis sativa. Mas para o consumidor desses produtos não é interessante discutir diferenças. "Imagina, daqui a pouco esse pessoal vai querer barganhar preço!", diriam os donos do bagulho.

Creio que minhas filhas terão a oportunidade de experimentar a erva, se quiserem, com menos hipocrisia em torno do assunto. Mas eu realmente espero que elas não tenham a ingenuidade de defender a "naturalidade" e inocuidade do produto. Sim, produto.

Darei força para a maconha livre desde que a qualidade do produto venha em primeiro lugar, assim como cercada de informação sobre a oferta de variedades. O brasileiro não consegue distinguir as diferentes espécies de cannabis (aliás, nem as de batata...) e raramente sabe que existem alternativas que produzem efeitos semelhantes e não são proibidas, como a Sálvia Divinorium. Consomem uma maçaroca disforme e prensada com tantos agentes químicos e sujeira, que se rigorosamente examinadas envergonhariam o bom e velho Marlboro que mata cowboy.

Se quiser algo diferente, amigo, só encomendando dos EUA, Turquia, Irã, Israel ou Holanda, pela internet.

Mas parece que a discussão sobre a origem não interessa. Nem sobre as variedades e formas de preparo, nem sobre o consumo responsável. Discutir a liberação como uma simples forma de reduzir a violência urbana é tão falacioso quanto irresponsável.

Imagina o que não passa na cabeça da moçada, que mal começou a se descobrir, tendo que fazer opção pela droga A ou B como norma de inclusão social e ritual de passagem.

Cruel e desnecessário. Acho que cabe a nós, pais, nos informarmos mais e melhor sobre as substâncias disponéveis para fazer a cabeça da moçada antes de condená-las e, sim, olhar de perto o que nossos filhos andam fazendo e pensando. Não para reprimir, mas sim para podermos orientá-los.

Afinal, irresponsável é o pai que não se preocupa com o perfil psíquico e emocional de sues filhos, onde uma mal diagnosticada TDAH, por exemplo, pode levar a problemas sérios de conduta, se associada ao consumo indiscriminado de drogas recreativas.

Leitora, você viu o que aconteceu com o Henry Sobel: o uso de drogas sem controle pode ser prejudicial até mesmo para as pessoas com compulsão por gravatas de seda de grifes italianas com o caráter mais ilibado...

Não me entendam mal. Sou a favor da liberação, mas não naive a ponto de achar que as relações sociais que envolvem o consumo de drogas irão melhorar. Vivemos um cenário de liberação com o álcool e o resultado está longe de ser dos melhores.

Clubes noturnos e restaurantes da moda nas principais cidades brasileiras vendem uísque e vodka falsificados, em grande quantidade. Alguém pune? Proponho um diálogo mais franco sobre como lidar com a questão.


Da ignorância

Não existe consumo consciente e saudável de maconha (ou qualquer outra droga recreativa) sem informação. E para isso é preciso leitura e consciência crítica para discernir entre o que é bom ou não. A maconha vendida no Brasil, de forma geral, é de péssima qualidade. Os hábitos de consumo ainda piores, quase sempre ligados ao consumo social.

A galera não sabe quais são as variedades e suas diferentes características de sabor, fumaça e duração de efeito, não sabem como podem evitar um anti-doping no trabalho, ou até mesmo pouco sabem sobre o uso medicinal e formas alternativas de ingerir THC, como adesivos para a pele, fitas sublinguais, alimentos, doces e balas produzidos com óleo de cânhamo.

Livros em português são poucos. Revistas especializadas brasileiras, desconheço. Salvo o trabalho competente de gente como a moçada da revista Super Interessante, da editora Abril, que sempre aborda o tema e chegou a editar um DVD (conteúdo estrangeiro, no entanto) sobre a história do consumo de cannabis, a garotada brasileira está a deriva num mar de lixo informativo na Internet.

Quem não souber jogar a bóia e remar até a margem certa, vai estar fadado a se reunir numa rodinha no play do prédio e fumar um baseadinho escondido, rapidinho, olhando para os lados e segurando para não tossir e alertar os defensores dos valores da família brasileira. Tsc Tsc Tsc.

Goze antes, fume depois

Não quero tal cenário para as minhas filhas. Assim como falamos de sexo, DST, bulimia, anorexia, álcool e violência, também temos a obrigação de conversar e esclarecer sobre prazer químico. Corremos o risco de ver nossas meninas fumando maconha (qualquer uma, de baixa qualidade) antes de começarem a ter uma vida sexual bacana e prazerosa (com qualquer um(a), de baixa qualidade??).

Acho uma temeridade a garotada procurar estímulo químico antes de gozar pela primeira vez. Infelizmente é muito comum. O mais comum.

Já não bastasse o horror de terem que iniciar suas vidas sexuais munidos de barreiras físicas (oferecem camisinhas ao invés de tentar convencer a moçada que vale a pena conhecer alguém, fazer exame, construir uma conexão emocional e daí ir trepar sem medo de gravidez indesejada ou doença X ou Y), ainda são obrigadas a enfrentar o bombardeio da mídia conservadora e burra com campanhas nojentas do tipo "droga mata: cuidado".

E a cerveja antes de dirigir? E quem trepa fora do relacionamento, em situações inconsequentes e não informa ao parceiro(a) que pode ter dado uma possível bobeada (ninguém é perfeito) brincado bareneaked com desconhecidos? Será que tais coisas também não trazem risco de vida?



"Vamu deixá essa mina lôca e detonar"

Quem foi adolescente e nunca ouviu colegas armando para fumar um baseado ou embebedar uma menina, antes de carregá-la para a cama, que atire a primeira pedra!

A molecada, 11, 12, 13 anos, arma de todas para "comer" as meninas. E o relaxamento químico é o maior aliado dessa turma ainda sem valores definidos e repleta de conceitos não discutidos em família. Seu laboratório social são nossas filhas. Por isso, tenho obrigação de proteger as minhas, conversando de peito aberto, quando chegar a hora. Não cerceando seu acesso aos estímulos e vicissitudes da vida adolescente, mas tornando-as aptas a entender as consequências e efeitos do uso.

E, preferencialmente, depois que elas já estiverem iniciadas na arte de vivenciar -com segurança e responsabilidade- os prazeres do próprio corpo e com corpos alheios.

Vamos ajudar nossas meninas a decidir se precisarão usar algo a mais para obter sensações de prazer. E também a dizer NÃO, e evitar aquelas interações que já conhecemos bem e sabemos dos resultados.

Uma garota esperta e informada dificilmente vai ficar com medo de ser chamada de "careta" pelas outras, por não querer entrar num carro dirigido por um bêbado depois de uma balada, por exemplo.

Nem vai precisar de "encher a lata" de Special K ou ecstasy numa rave para se sentir livre. Se estiver com vontade, faz na dela, em casa, sossegada, com amigos(as) de confiança e pessoas "do bem". Exatamente como se deve fazer numa boa siririca ou em uma trepada saudável.


Cheirou maconha e fumou cocaína

Digo mais: liberar a maconha e não a cocaína, o LSD, o ecstasy? Qual a justificativa? Quem já provou sabe que uma BOA cocaína, com controle de qualidade e consumida com rigor é uma ótima diversão para ADULTOS. E muito menos perigosa para terceiros do que o tão difundido uísque com redbull antes de dirigir...

Assim como não quero que minhas filhas sejam parceiras da agonia no sexo, também não quero que sejam enganadas por usuários e traficantes canalhas. É preciso ter conhecimento para se fazer escolhas. Até para não fumar, beber ou cheirar.

Quem sabe o efeito colateral não será positivo, com menos mulheres chegando frustradas aos 30, achando que se comportar com a inconsequência dos 17 anos é bacana, moderninho.

Acho que no futuro teremos menos blogueiras...

De onde vem a onda

Creio ser válido explicar as características da maconha, suas variedades, os conflitos sócio-políticos no campo e na cidade. Não esquecer a exploração do trabalhador rural, de discutir que culturas podem ser plantadas em rodízio com a maconha, para não esgotar a terra. E lutar contra o pouco apego dos produtores às práticas ecológicas, preocupados que estão com margens de lucro exorbitantes.

Salvo engano, não vi tal discussão levantada na mídia, com prazos e consequências para o consumidor final e para a economia.

Novamente, informação que não chegou ao destinatário, aos leitores de diários e periódicos, que com parcos conhecimentos, transformam ignorância em discurso tolo.

Nenhuma surpresa, considerando que o perfil de consumo é o mesmo daqueles que acreditam em "zeca-feira" e "boas" ou que pagam uma fortuna por (e acham chique) vinhos feitos com uva prosecco, dispensando os corretos e saborosos espumantes brasileiros e as cavas espanholas...

Aliás, alguém lembra de que variedade era a maconha das latas despejadas no litoral carioca pelo navio Solana Star, no saudoso verão "da lata"?

Postado por Felipe B às 5:09 PM

8 comentários:

Claudia disse...

Qdo eu digo que ter conhecido o Mothern e o LV e todas as pessoas que fazem parte desse pedaço da blogosfera me tornou uma pessoa melhor... Felipe, eu jamais teria pensado na marijuana (e as outras drogas e o cigarro, etc) pelo lado que vc pensou... ótimo material pra reflexão. Valeu!Bjs
9:38 AM
Budubudu disse...

Olha eu aqui de novo... também não quero ser naive, mas você falou dos adolescentes de uma forma meio pejorativa... a maioria dos meninos de onze, doze, treze anos pensam em muita besteira antes de querer dopar e "comer" as meninas. E também tem muita menina que é muito menos inocente que um menino de onze anos... Talvez é porque eu fui criada numa cidade pequenina (Recife) se comparada a São Paulo, Rio de Janeiro... eu acho que um o maior perigo é a banalização do alcool e para mim chega a ser vergonhosa a quantidade de comercial de cerveja ... mas isso ja é outra coisa. Seus argumentos sobre a legalização me fizeram refletir... nunca tinha pensado na importância da qualidade do produto!
5:34 PM
Priscilla disse...

Felipe, parabéns pela abordagem do assunto "maconha" e por trazer outros tantos tabus à tona, como o sexo por exemplo.
Esperemos que nossas filhas tenham clareza e lucidez qdo forem apresentadas `a tudo isso, acho que se a sociedade não contribuir para as coisas melhorarem, quem sabe nossa criação seja de muita valia para elas... que façamos a nossa parte em proporcionar a informação necessária para evitar danos e distorções...
Pela melhor qualidade do beck!!! Uhuhu!

Bjs

Pri
5:29 PM
mobile disse...

bem...o que dizer desse texto? o que dizer das expressoes e termo que voce usou? sim..voce ta mais que correto em alguns pontos...em outros meio "exagerado" como o algum comentario acima que diz dos "meninos de 11,12,13 anos.."

mas, no geral voce esta mais que certo. Nunca vi alguem expressar exatamente todas as coisas que eu penso em um blog/flog ou qlqr coisa que seja.

Esta de parabens.
o/
12:53 AM
Mariana disse...

Oi, Felipe! Parabéns pelas reflexões, embora eu não concorde muito com vários trechos, acho que há contradições.
A questão da adição química ligada a prazer jamais existiu na história da humanidade do modo que vivenciamos hj...e é tudo fruto do mercado, pois o lucro é altíssimo se pregando essa forma de "prazer" (questionável). Mesmo o uso de substâncias puras, de alta qualidade, traz revezes para o organismo, desde desequilíbrio hormonal (níveis de serotonina ou dopamina muito altos, que depois serão compensados com baixa no organismo até normalizar sua produção, por exemplo), desidratação, baixa glicêmica no cérebro(causa da larica, p.e.) e "n" efeitos colaterais deletérios.Além do mais, mesmo o consumidor da melhor cocaína não tem tanto controle assim sobre o quanto e quando usará...a maioria dos canabistas que conheço usa toda noite, caso contrário, parece que falta algo, e os efeitos do THC(mesmo da boa, importada) constante no corpo e na mente são visíveis e ruins.
O prazer real é outro, vem de outra fonte, não da adição química artificialmente inserida nos corpos e é isso que nossas filhas precisam desenvolver para terem mente e corpo sãos e em equilíbrio - o caminho mais certo para viverem felizes.
Abraço.
Mariana
3:26 PM
Anônimo disse...

Felipe,
Vc sabia que na Jamaica se d� maconha na mamadeira das crian�as para que elas cres�am mais inteligentes?� isso a� no BR somos muito desinformados!!
7:18 AM
Zooe disse...

Vc disse:"ingerir THC, como adesivos para a pele, fitas sublinguais, alimentos, doces e balas com óleo de cânhamo."
Isso seria ótimo, pois as famílias se ressentem de ter que inalar a fumaça dos cigarros, mas nem ligam se usamos lsd ou cocaína, pois é mais discreto e não incomoda terceiros, visto que optar por uma substância psicoativa é individual e não se pode obrigar terceiros a sertir os odores de qualquer cigarro!
8:27 AM
Sandra disse...

Olá, Felipe!
Gostei muito não só das suas reflexões, mas também das reflexões que elas me causaram. Você acabou de me apresentar um jeito diferente de pensar o beck, a partir de discussões mais inteligentes e politizadas do que as do tipo a-culpa-é-do-usuário.
Obrigada!
E parabéns!
Um abraço,
Sandra
5:27 PM

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5 comentários:

  1. Gostei do que falou e vou refletir mais de como conversar com a minha filha sobre estes temas .

    Valeu cara .

    Alexandre Goulart

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  2. alexandre, valeu a visita.

    trocar idéias sempre me ajuda a pensar melhor.

    abração

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  3. Ótimo texto.

    É sempre importante para a causa a divulgação de mentalidades pertinentes e realistas que não são (necessariamente) as do estereotípico 'maconheiro'.

    A informação é primordial.

    Obrigado pela leitura :)

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  4. Alessandro Delgado disse...

    Ótimo texto.

    É sempre importante para a causa a divulgação de mentalidades pertinentes e realistas que não são (necessariamente) as do estereotípico 'maconheiro'.

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  5. alidades pertinentes e realistas que não são (necessariamente) as do estereotípico 'maconheiro'.

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